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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pretérito do presente

Se você afirmar com veemência que guarda seus rancores, você está se acorrentando a coisas que deveriam ser superadas. Você deveria poder dizer: isso são águas passadas. A maioria das pessoas comete erros, sabe? A maioria das pessoas também, como qualquer um, quer fazer o melhor, sempre. E se não o faz, foi por descuido e distração, muitas vezes. Duvido que seja por raiva, vingança, cobiça. Duvido mesmo. Se você aceita que as suas dores e mágoas andem junto de você pro resto da vida, você se sente pesado. A melhor maneira de deixar o passado ir embora é perdoar, é compreender, é ser flexível, é saber lidar com os contratempos da vida. Quem muito se aferra a um princípio, a um sentimento, a uma posição qualquer, corre o risco de ser uma pessoa amarga e orgulhosa, acima de tudo. Alguns podem ver isso como qualidade, eu vejo como autoproteção. O orgulho dá a falsa ilusão de que ninguém pode te ferir. Mas pode. E passa mais fácil se você aceita as desculpas: o fato é superado e não alimentado. Por que tem pessoas que teimam em cultivar sentimentos ruins? Muito tempo já passou e quanto mais anos ficarem para trás, maior vai ser a lástima que sinto ao ser protagonista de uma história assim.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Frigidez editorial

Vou reproduzir um texto aqui, indicado pela minha colega Natália Pianegonda. Mais que verdadeiro...

Duas ou três lições que aprendi com um mestre do Jornalismo que jamais se deixou contaminar pelo vírus da SFE (Síndrome da Frigidez Editorial)

Faz três anos que Joel Silveira, “o maior repórter brasileiro”, saiu de cena. Uma vez, tentei resumir, num texto de apresentação de um livro, as lições (fundamentais) que aprendi com ele sobre Jornalismo em vinte anos de convivência pessoal e profissional. Voilà:

Sou um projeto de ruína . Meu velocímetro profissional já registra quase quatro décadas de rodagem por redações. É um bocado. Quem mandou não estudar Medicina ? A hora de dizer “chega” vai se aproximando.

Todo jornalista deveria mudar radicalmente de atividade depois de dez anos de exercício profissional. Somente assim não correria o risco de se habituar ao papel de figurante do espetáculo patético encenado em redações por gente que se considera cem vezes mais importante do que realmente é.

Não existe cena tão risível quanto o desfile de vaidades desprovidas de qualquer fundamento. Em nenhuma outra profissão há um abismo tão gigantesco entre pretensão e realidade. Ninguém me contou ; eu vi, com estes olhos que um dia o crematório de Golders Green há de comer :
gente incapaz de pronunciar corretamente a palavra “gratuito”, gente que escreve exceção com dois “s”, gente que constrói frases como “para mim ver”, gente que acha que “sobrancelha” é “sombrancelha”, gente que jura que o substantivo óculos exige o artigo no singular, gente que comete pérolas como “fazem dez anos” – chorai, leitor, é esta a gente que, além de se julgar superior e competente, acha-se perfeitamente qualificada para descrever o que é que aconteceu ontem, o que acontece hoje, o que acontecerá amanhã, esta semana, este mês, este ano , no mundo . Quá, quá, quá.

Pior : é gente que, a sério, exige remuneração superior à de médicos, engenheiros, nutricionistas, agrônomos, veterinários, biólogos e garis. Pausa para risos incontroláveis da platéia. Quá, quá, quá. De novo : quá, quá, quá.

É como se um cirurgião perfeitamente incapaz de manusear o instrumento de trabalho – um bisturi – saísse da sala de operações arrotando grandeza depois de cometer barbeiragens inomináveis no corpo do paciente. Falo com conhecimento de causa sobre imposturas ocorridas em redações . Conheço a raça. Orgulhosamente, faço parte do canil. Sou aquele terceiro vira-lata à esquerda, na penúltima fila. ( crianças : não se assustem com o vazamento de bílis. Feitas as contas, o Jornalismo pode valer a pena, sim. É a melhor profissão do mundo – para quem não consegue exercer tarefas realmente úteis à Humanidade. Os jornalistas podem ser, devem ser e, em geral , são benfeitores da sociedade, com as exceções de praxe. Ponto. Parágrafo ).
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Há séculos, ao comentar o resultado de uma pesquisa em que os jornalistas só conseguiam superar os ladrões de galinha num ranking de estima pública, Paulo Francis dizia que os ladrões de galinha deveriam protestar contra a injustiça. Bingo.
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Sinal dos tempos : três vezes por dia, sou visitado pela tentação de dar por encerrado meu paupérrimo espetáculo, apagar a luz da espelunca , pregar na porta um aviso de “saiu. não volta” e realizar, num subúrbio qualquer de uma cidade cinzenta, o sonho dourado de cultivar pelo resto da vida um silêncio irrevogável e benfazejo. “Ainda hei”. Só falta encontrar uma fonte financiadora. (tragédia : ela jamais aparecerá).
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Quando olho pelo retrovisor, faço um esforço para contabilizar um ganho palpável, concreto, indesmentível , em meio ao rosário de perdas, equívocos, tropeços e decepções com que fui brindado pelo exercício do Jornalismo.

Vou tentar. Agora. Um, dois, três minutos de busca. Nada. O “yahoo” instalado no meu lóbulo central falha na tarefa. “Nenhum resultado encontrado” . Meus dois neurônios pedem tempo para vasculhar de novo as gavetas da memória. Como se fosse um treinador de basquete, peço tempo ao juiz. Quatro, cinco, seis minutos de busca. Nada. Eis que surge uma luz no fundo do poço. Ah, achei um ganho profissional !

Que é o seguinte : tenho tido a chance de fazer um belo curso intensivo de Jornalismo que já se arrasta por anos e anos. Começou em 1988 – quando conheci pessoalmente o “velho lobo da imprensa” Joel Silveira.

Desde então, sou um privilegiado freqüentador da escola de Jornalismo que, sem placa na porta, sem autorização do ministério, sem quadro-negro na parede e sem lista de chamada, funciona num apartamento do sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana – o refúgio de Joel.

Lá, envolto numa concha invisível, ele se protege do mundo exterior escondido atrás de barricadas feitas de aço e papel : estantes superpovoadas de livros. O telefone – e a TV – são as únicas pontes com o horror externo. Joel diz que tem uma “diversão predileta” : falar mal de uma comentarista televisiva toda vez que ela surge no vídeo. “Assim que ela aparece, eu digo : ah, mulher chata ! Pronto. Ganhei o dia“.

Há anos Joel deixou de andar na rua. Não “circula”. Não visita. Não faz questão de ser visitado : “Só se for para receber algum pagamento. Se aparecer alguém aqui em casa com um cheque, eu boto gravata e bermuda para receber o presente”.

Fez a opção preferencial pelo isolamento. Não corre o menor risco de ser atingido pelos perdigotos ou pelo bafo de terceiros. Não sente falta da contaminação externa. Faz bem. É um felizardo. Deveria soltar fogos pela janela todo dia de manhã, para comemorar o sucesso do isolamento. Nem a Albânia, nos áureos tempos de solidão internacional, conseguiu se proteger melhor do mundo exterior.

Aos recém-chegados ao Planeta Gutenberg, devo informar que Joel Silveira (sergipano da safra de 1918) ficou famoso, ainda nos anos quarenta, como repórter dono de um texto reluzente – uma víbora capaz de verter veneno em forma de tinta quando escrevia sobre, por exemplo, as grã-finas de São Paulo.

Assis Chateaubriand, o todo-poderoso dono de uma rede de jornais, logo notou o talento do repórter recém-chegado de Aracaju. Terminou despachando Joel para cobrir a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em terras da Itália. Assim, Joel entrou para a história da imprensa brasileira como correspondente de guerra, além de repórter que imprimia uma marca própria aos textos que produzia, aos borbotões, para jornais e revistas. Humberto Mauro se enganou . Jornalismo (e não o cinema ) é cachoeira.

Se um noviço perguntasse , a este aluno medíocre do Curso de Jornalismo da rua Francisco Sá , quais são as virtudes básicas do professor Joel , eu responderia na bucha. O mau jornalista – seja ele repórter, editor, dono de jornal ou seja lá o que for – é aquele que se deixa contaminar por uma doença estúpida, a Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). Aos não iniciados no estudo das zoonoses das redações, diga-se que a SFE é uma praga que acomete jornalistas que, depois de anos e anos manuseando fatos extraordinários, passam a achar tudo “ordinário”, comum, banal, indigno de um mísero registro nas páginas dos jornais ou no quadrilátero brilhante dos aparelhos de TV. Transformam-se em derrubadores profissionais de matérias – especialistas em mandar para a lata de lixo as histórias apuradas por quem ainda não se contaminou com este vírus nocivíssimo . O horror, o horror, o horror. Sobre jornalistas que jogam notícia no lixo , tenho histórias que dariam para encher uma enciclopédia. Poderia exibir provas, se quisesse. Mas pouparei aqui a paciência do leitor.

Os jornalistas contaminados pelo vírus da SFE deveriam mudar de profissão com toda urgência. Mas não mudam. Passam o resto da vida destilando doses amazônicas de tédio sobre vítimas indefesas – em geral, repórteres que ainda não perderam o fogo. Aos oitenta e tantos anos, Joel Silveira é uma grande exceção a esta regra : nunca perdeu a chama interior que serve de combustível ao repórter.

Uma das grandes lições de Joel : um bom e inspirado repórter é perfeitamente capaz de escrever dez páginas sobre um encontro de minutos com uma figura histórica. É o que aconteceu com o repórter Joel Silveira ao descrever o “primeiro, único e desastrado” encontro que teve com o presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete.

Joel conseguiu uma audiência com o homem , na ilusão de que sairia da sala com uma entrevista. A raposa Getúlio Vargas pensou que o repórter estava ali para pedir um emprego. Nem uma coisa nem outra : Joel saiu do Palácio sem o emprego – que não queria – e sem a entrevista – com que sonhara. Um repórter burocrático seria incapaz de escrever um parágrafo de cinco linhas sobre a entrevista frustrada. Afinal, Getúlio se limitou a trocar com ele um punhado de frases bobas. Mas Joel escreveu um longo e brilhante texto que, retocado para o livro “Tempo de Contar”, termina assim, com a narrativa da frustração que sentiu ao deixar o palácio do presidente :

- Voltei ao boteco, a vários deles, durante horas amargando o fel da derrota, alisando a cara onde o chicote presidencial havia acertado em cheio. Lá para a meia-noite, entrei no Danúbio Azul, um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas, desde que existem mundo e manhãs de abril.

Pergunta-se : que jornal, que revista de hoje publicaria um texto escancaradamente autoral como este de Joel Silveira ? A resposta é um silêncio de rachar os tímpanos. O corvo de Edgar Alan Poe repete a cantilena fatal : “Never more, never more”. Nunca mais, crianças. Pobres de nós – leitores castigados com hectares e hectares e hectares de prosa que confunde narrativa jornalística com aridez vocabular e estilística.
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Joel segue desde o início da carreira o ensinamento que Albert Camus deixou em O Estrangeiro : lá pelas tantas, o personagem enjaulado numa cela diz que um homem que tivesse vivido um único dia teria recordações suficientes para cem anos. Os fiscais da saúde jornalística, se existissem, poderiam dormir tranqüilos quando fossem fazer um check –up em Joel : um grande repórter, como ele, é imune ao vírus da Síndrome da Frigidez Editorial (SFE).

Uma vez, numa entrevista , pedi a Joel que imaginasse uma cena : se fosse chefe de reportagem, que pautas ele gostaria de ver apuradas ? Sem titubear , ele desfiou a lista :

- Que tal o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante o governo militar ? Já se cavou um cova. Vamos cavar outras, então ! E a morte da figurinista Zuzu Angel num acidente que não entra na cabeça de ninguém ? E a explosão da bomba no Riocentro ? Qual foi a intenção verdadeira ? Era causar um massacre ? Ou dar um susto ? A morte de Juscelino ficou mal contada. A mim, não me convenceu. Eu não sou um juscelinista. Sou um leitor de jornal. E o atentado à OAB ? Quem mandou ? E a morte de Lamarca ? E a de Marighela – um sujeito astuto e conspirador, como ele era, ia sair idiotamente daquele jeito ? E aquele operário que morreu no DOI-CODI em São Paulo ? E a morte de Herzog – que não tinha motivo nenhum para se suicidar ? Isso tudo daria uma série fantástica.

Além de repórter que tira leite de pedra, Joel cultua o “prazer do texto”. O que ele escreve é uma mistura feliz de Jornalismo e Literatura. Por que não ? O brilho do texto sobre o desencontro com Getúlio Vargas é apenas um exemplo, numa montanha.

Eis outro : uma reportagem sobre a rebelião popular ocorrida no fim dos anos quarenta na Colômbia termina com a descrição de uma visita ao Cemitério Central de Bogotá. Lá, o repórter Joel vê o corpo de um menino morto no tumulto :

- Os olhos vazios fixavam o céu de chumbo e as mãos de unhas sujas e compridas pendiam sobre a laje dura – como os remos inertes de um pequeno barco. O barco fora surpreendido pela tempestade, havia perdido o leme, mas ficara boiando sobre as águas, sem afundar. Foi a impressão que me deu aquele menino : a impressão de que não havia morrido de todo. Era o que diziam os olhos muito abertos ; era o que igualmente parecia dizer o sorriso leve que mal se denunciava nos lábios finos e sem cor (…). Depois, um funcionário qualquer aproximou-se, olhou por alguns segundos o menino morto, procurou sem achar alguma coisa que ele deveria trazer nos bolsos. Tentou em seguida fechar com os dedos os olhos abertos, mas não conseguiu. Abertos e limpos, os olhos do menino morto pareciam maravilhados com o que somente eles viam, com o que queriam ver para sempre.

Compare-se este texto com a mesmice reinante hoje nos jornais e revistas. A saída é chorar “lágrimas de esguicho” no meio-fio mais próximo.

Como se tantas lições não fossem suficientes, o professor Joel dá, aos raríssimos freqüentadores da faculdade informal da rua Francisco Sá, aulas e aulas e aulas de bom-humor.

Tenho a honra de dizer que, nestes últimos anos, fui o único discípulo a freqüentar assiduamente o refúgio do dinossauro. Confirmei o que já suspeitava : somente os idiotas se levam a sério. Em todos estes anos de convivência, perdi a conta das cenas cômicas que testemunhei na escola do professor Joel.

Quando pingou o ponto final num livro que fizemos juntos – “Hitler/Stalin: O Pacto Maldito” -, Joel me ligou, eufórico, com a voz pastosa. Deu para notar que ele tinha irrigado as cordas vocais com doses escocesas de uísque. Fez-me um apelo em tons dramáticos : “Pelo amor de Deus, você sabe onde é que existe uma boa sarjeta aqui por perto ? Consegui terminar o texto ! Hoje quero beber até cair na sarjeta !”. Tempos depois, rompeu para sempre relações diplomáticas com as destilarias de uísque. Motivo oficial : já não tinha com quem conversar. Os amigos tinham morrido. “Todos !”. Passou a se auto-intitular “a maior solidão do Brasil”.
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Quando se internou no Hospital dos Servidores do Estado para uma cirurgia, passava horas sentado na cama observando os aviões que cruzavam o céu em direção ao Aeroporto Santos Dumont. Assim que cheguei para uma visita, Joel reclamou : “Quero ir embora. Não agüento mais ficar contando avião. Já contei dezoito hoje !”.

Dias depois, convocou-me para que me apresentasse imediatamente na rua Francisco Sá. Quando cheguei lá, Joel ,diante de uma garrafa de uísque pela metade, pegou o telefone para falar com um amigo que não via há anos. Do outro lado da linha, em Salvador, o amigo não deve ter entendido absolutamente nada. Joel se limitou a dizer a ele “ouça aí ! ouça aí !”. Em seguida, me fez ficar segurando o telefone junto ao alto-falante do velho toca-discos que amplificava a voz de Dorival Caymmi cantando “Peguei um Ita Norte”. O amigo teve de ouvir a música inteira por telefone. Quando a música acabou, Joel se despediu do ouvinte sem maiores explicações. “Passe bem !”.
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Quantas e quantas cenas o professor Silveira não me descreveu com um sorriso escancarado ? Uma das melhores : o dia em que o amigo Rubem Braga resistiu a um convite feito por Joel para que os dois fossem a um concerto de música clássica na Roma do pós-guerra. Joel insistiu : por que não ir ? Rubem Braga deu a explicação inesperada: “Não posso ir. Violino me dá tosse”. Joel insistiu, insistiu. Rubem Braga foi. O desastre anunciado se consumou . Assim que a violinista começou a tocar, o parceiro de Joel na noitada sinfônica teve um acesso de tosse incontrolável.
Aos freqüentadores do refúgio da Francisco Sá, Joel falará da oferta de emprego que recebeu de um assessor do presidente Jânio Quadros : ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis. Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Lá pelas tantas, ele se recordará da cena surrealista protagonizada por ele e pelo gênio Nelson Rodrigues. Colegas de trabalho numa redação, sem nunca terem sido amigos íntimos, os dois cultivavam uma convivência meramente profissional . Um dia, Nelson Rodrigues estaciona diante da máquina de escrever que Joel Silveira batucava ferozmente. Não diz nada. Fica em silêncio observando a cena. Lá pelas tantas, o gênio da crônica exclama uma palavra :

- Patético !

E vai embora, sem dar maiores explicações.

Quando mostrou a Graciliano Ramos o texto de um conto que tinha escrito, Joel foi brincado com a mais radical e silenciosa resenha literária já cometida no Rio de Janeiro : Graciliano Ramos simplesmente fez picadinho do conto. Em silêncio , diante de um Joel boquiaberto , Graciliano Ramos desfez a folha em mil pedaços. As frases que o Joel iniciante considerava geniais viraram confete. O conto do Joel iniciante se perdeu para sempre.

Provocado, Joel será capaz de dar conselhos. Adora repetir o que ouviu de um gigante do jornalismo – Herbert Mathews, globe trotter do New York Times : o repórter precisa ter humildade e sorte.
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O Joel que se considera, além de “a maior solidão do Brasil”, o “último dinossauro” de nossa imprensa, é também o rei das implicâncias gratuitas. Como se fosse um franco atirador postado numa janela do sexto andar da Francisco Sá com um arsenal de petardos verbais na ponta da língua, ele adora fustigar inimigos gratuitos.

Não tolera seres “ridículos” como alpinistas, turistas e tocadores de cavaquinho obesos. Recusa-se a ouvir uma nota sequer emitida pelo violão ou pela voz de João Gilberto. Diz que, se um dia fosse nomeado Imperador de Sergipe, baixaria um decreto proibindo que João Gilberto cantasse em terras sergipanas. ”Por chatice”.
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As investidas do repórter Joel Silveira podem ser saboreadas em volumes como “Tempo de Contar” ou na coletânea lançada em 2004 pela Companhia das Letras – “A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista”, leitura que deveria ser obrigatória tanto para os noviços tanto para as múmias das redações .

O Joel deste “Diário do Último Dinossauro” não é o Joel das grandes reportagens: é o autor de pequenas tiradas, impropérios, ataques e louvações. Os textos que aqui aparecem alimentaram o “Diário de uma Víbora” – a coluna que Joel mantém na revista pernambucana “Continente Multicultural” desde julho de 2001 ( há vida editorial fora dos dois extremos da Via Dutra ! ). Os verbetes venenosos despachados para a Continente – e,por fim, reunidos em livro – foram coletados em várias fontes : anotações inéditas que Joel acumulou em pastas de plástico, fragmentos de livros como “Vinte Horas de Abril”, “A Guerrilha Noturna”, “O Presidente no Jardim” e “Você Nunca Será um Deles”.
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Um dia – eu vos prometo – pretendo reunir num livro os diálogos que tive com o mestre : longas sessões de entrevistas gravadas na escola informal da Francisco de Sá. São pelo menos seis , publicadas aos pedaços em jornais e revistas ou apresentadas , resumidamente, na TV. Lições que devem ser passadas adiante. “Vida aos outros legada” , como diria o Vate.
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Agora, crianças, favor fazer silêncio na sala : a maior solidão do Brasil pede a palavra. Do alto do refúgio onde se protege de nós todos , atrás de barricadas de papel e aço no sexto andar de um prédio da Francisco Sá , o “último dinossauro” vai disparar seus petardos venenosos neste “Diário”.
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Que ninguém se assuste : não existe guerra tão divertida. Joel não se leva a sério. Não nos leva. Não leva nada. Melhor assim.

Por Geneton Moraes Neto

domingo, 1 de agosto de 2010

Como um cão


Às vezes me sinto leal como um. Dependente, desprovido de vontade própria, que ouve um comando e espera até ouvir o próximo para descansar. Acho que sou muito boa em seguir ordens, talvez, quando sou ligada emocionalmente ao meu dono. Senão, sou o mais desobediente possível, se me manda ir pra esquerda, vou pra direita só de birra. Mas com o meu dono sou dócil, sou passiva, sou feita para a companhia. Me sinto triste quando ele briga comigo, abano o rabo se recebo um elogio; não sei fazer comida, espero ele me alimentar. Queria ser um leão, um pássaro colorido, uma gaivota até... Um gato, distante e impassível. Mas eu sou um cão. Fico feliz em agradar, em satisfazer quem me cuida. Sou simples. Não sei fazer rodeios, não sei ser elegante nem arrogante, nem indiferente. Meus olhos imploram por carinho, por atenção, por amor. Qualquer coisa me magoa, e qualquer sorriso me eleva às nuvens de novo. Sou fácil de machucar, fácil de alegrar.


Infelizmente, sou manipulável como um cachorrinho.