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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Coincidências

Voltando a um blog abandonado às moscas...

Falar em moscas, enchi meu quarto de adesivos de borboletas coloridas. São meio bregas, mas bonitos e alegres. Coloquei entre os vãos das prateleiras e envolta de um quadro que tenho. E um adesivo de gatinho. E coloquei uma borboleta na ponta do nariz dele. Fofo.

Das peças que a vida prega na gente.

Tenho uma simpatia muito grande por pessoas idosas, ainda mais que a maior parte dos meus avôs se foram, um a cada ano e só sobrou um, que mora longe ainda por cima.

Acordei atrasada para a consulta do médico. Já que acordei atrasada, fui fazer as fotos que fiquei de fazer e cuja falta me rendeu uma desconfiança da parte da minha professora de que a matéria que redigi não era de minha autoria. Eis que desci onde deveria ser o terminal onde deveria passar o ônibus que eu precisava e fico um tempo. Quinze minutos, meia hora. Vejo um senhor de cabelos brancos, bem arrumado, de paletó, apesar de simples. Ele sobe ao ônibus, o motorista diz que não vai até o destino dele, uma mulher se atravessa na frente dele e como quem releva a falta de educação, o senhor desce as escadas e dá um tapinha nas costas dela. Ele vira de frente e eu vejo que ele tem olhos azuis. Iguais a uns que eu bem conhecia.

Demorei uns dois minutos pra tomar coragem e perguntei.

“Posso perguntar qual o nome do senhor?”

“Maia.”

“O primeiro nome?”

“Oscar.”

Era o meu tio avô, que, pelo que não me falha a memória, nunca conversei de verdade, só cumprimentei algumas vezes. Eu disse que era neta do Jesus, filha da Alba. Jesus? Acho que passou pela cabeça dele que eu fosse alguma crente ou algo do tipo. Neta do Jesus. Alvim, eu disse. Jesus Alvim. E ele se lembrou. E começamos a conversar. E eu vi nos olhos dele a mesma pessoa que dei adeus há dois anos atrás. Incrível como são as coincidências da vida, como me atrasei e parei em uma parada que devo ter parado uma vez na vida e encontrei aquele senhor. Meu tio avô estava indo ao encontro da namorada, que mora em Viamão, e que há meses não o visita nem atende o celular. Ou ela deu um pé na bunda dele ou se foi de verdade sem nem dizer adeus. Fiquei curiosa pra saber o que aconteceu. O ônibus chegou e ele foi embora. Eu virei as costas com um sorriso.

sábado, 23 de outubro de 2010

Da série "conversas roubadas"

(Atende o telefone)

Amor, tudo bem?

To no ônibus. To super cansado. Mas deixa eu te contar, a feira foi maravilhosa. Tu não tem noção. Tinha um grupo de meninas lá que acabaram se enrolando no tempo e éramos depois delas... Acabamos perdendo a competição, mas foi uma experiência muito boa. Pela primeira vez fui coordenador do grupo. E tu não vai acreditar, me ofereceram um emprego. Sabe a escola Olimpo? O dono disse que eles têm muito trabalho pela frente. Eles precisam de gente pra dar aula de robótica. Pra instalar os computadores nas escolas e dar aula... E eu pensando que ia ficar sem emprego.

Mas amor, tu não tem noção do quanto de dinheiro que rola nessa área. Eu posso ganhar muito dinheiro, vou sair do curso empregado já.

Hã? Ah amor, tu sabe o tempo que eu perco indo até a tua casa. E o combustível. É melhor eu ficar em casa, onde eu tenho meus livros, meu computador. Tenho um milhão de coisas pra fazer.

E não esquece os abacaxis, são dois. Pro suco. Não esquece.

Ah, amor... Mas dá graças a Deus que está tudo bem. Mas olha, na viagem fiquei conversando com o motorista. Que divertido que foi, tu não tem noção. O cara sabia muito. Sabia e era humilde... Não é como tipo a tua mãe. Orgulhosa, que nem sabe muito. Ele vê muito aqueles filmes da Ulbra sabe? Ele conhece várias passagens da Bíblia. Conversamos umas quatro horas, e foi muito divertido, tu não tem noção.

E sabe, vou te dizer, ele sabe muito mais que a tua mãe, e digo mais, sabe mais do que eu. O cara sabe muito.

Ah, amor, tu me liga. Eu acordei às cinco e meia da manhã. Vou cair na cama.

Sim, vou na academia.

Mas é melhor tu me ligar, eu vou acabar esquecendo.

Sim amor, te amo ta? Que Deus te abençoe, em nome de Jesus amado. Te amo. Beijo.

Risos.

Desce do ônibus.

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Aluga a namorada pra contar a VIDA dele no ônibus, por no mínimo meia hora, e não quer ir até a casa dela e não quer ligar pra ela no fim da noite. O que a gente faz com uma criatura dessas, em nome de Jesus amado?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Estamos engatinhando


No último sábado, assisti a uma peça infantil envolvente no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo. A Rádio Chulé é o primeiro espetáculo teatral que usa o recurso da audiodescrição no Estado. Eu também não sabia do que se tratava: um recurso disponível em peças, espetáculos da dança, filmes e exposições, que possibilita ao deficiente visual acompanhar e compreender todos os elementos presentes no palco ou na tela que lhe escapam. Os atores César Benites, Letícia Schwartz e Márcia Caspari integram o elenco do roteiro que envolve música, elementos clássicos do rádio, brincadeiras e poesia.


César conduz a programação da Rádio com voz e violão. Letícia dança e faz o papel da repórter/ atriz de rádio-novela atrapalhada, com um carisma incrível sobre as crianças, que não param um segundo durante a peça. Márcia faz a audiodescrição, fazendo breves intervenções durante o espetáculo, ressaltando elementos do cenário, a posição dos atores, se estão em cena ou não, a sua expressão facial...


O recurso, que normalmente seria oferecido através de fones de ouvido somente aos deficientes visuais e contaria com um profissional em uma cabine no teatro, longe dos olhos do público, aqui está a mostra, vestido com o figurino e fazendo parte real do espetáculo. “A gente optou por essa maneira, de ter alguém de figurino em cena junto, para conseguir colocar esse recurso de um jeito que não atrapalhe quem está enxergando (...) O teatro não tem fones disponíveis e uma produção do espetáculo não tem como bancar a locação dos fones. Vai ter que chegar o momento em que os teatros e os cinemas tenham esse equipamento disponível”, explica Letícia Schwartz, atriz e audiodescritora, que escreveu a peça junto com o seu pai, o escritor e dramaturgo Jorge Rein (também um audiodescritor em formação).


Para Letícia, a audiodescrição avançou muito mais em São Paulo, onde há teatros e salas de cinema que já oferecem o recurso, similar à tradução simultânea. Estão nos planos da atriz a formação de parcerias aqui no Estado para desenvolver roteiros com a audiodescrição e trabalhar em peças que já estão em cartaz, mas admite que não há ainda nada encaminhado.“Estamos engatinhando”.


O PL 7671/2010, em tramitação na Câmara Federal, prevê a criação do Programa Nacional de Acessibilidade Cultural aos Portadores de Deficiência Ocular e Auditiva. O projeto de lei, de autoria do deputado Márcio França, pode preencher uma lacuna presente na legislação brasileira, ainda muito vaga e com metas pouco definidas quando o assunto é acessibilidade cultural. A lei obrigaria casas de espetáculo à disponibilização de fones de ouvido para deficientes visuais e textos descritivos para deficientes auditivos, para que todo o público possa acompanhar na íntegra o que está acontecendo no palco.



Nesse aspecto, o Sul é província sim.


www.radiochule.com.br

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Consegui!


Surreal. Suriêl. É como posso descrever garantir por sorte o meu ingresso para o show do Paul McCartney no dia 7 de novembro. Não vou mentir que escuto Beatles desde criancinha. Não vou dizer que conheço de cabo a rabo a carreira solo do beatle Paul. Vou até admitir que acho o Paul o mais arrogante do Fab Four. Tive o contato real com a música deles só aos 12 anos, com uma coletânea vinda do Paraguai, que a minha tia trouxe de viagem. E desde então acho que gastei o CD pirata de tanto ouvir. Meus pais gostam de Chitão e Xororó e Abba, mais que tudo. Mas a música deles me marcou desde aquela época. Eu conheci a minha melhor amiga graças a eles. Ela sim, posso afirmar, tem todos os CDs e o livro Antology que eu não cansava de folhear quando ia na casa dela. Mas posso afirmar sem titubear que mesmo não tendo os vinis originais, a música deles ficou em mim com a mesma intensidade que ficou em qualquer fã que é fã desde criancinha.

Cheguei ao Gigantinho, onde estava sendo organizada a distribuição de senhas, pouco antes das 21 horas de sexta-feira, 8 de outubro. Eu e a Ju sempre furamos uma com a outra. Sempre desmarcamos todos os compromissos na última hora. Naquele dia seria diferente e para surpresa minha lá estava ela junto com o meu namorado - que tinha se negado a madrugar na fila - me esperando. Chegamos e não tinha mais senha. Cheguei de cadeira de praia, canga e uma térmica com café com leite – que ninguém tomou. A Ju comprou uma senha por R$ 100 com um cambista junto com mais três meninas, que, ora vejam só, cursam Jornalismo e uma delas tinha sido colega minha de rádio-escuta no Piratini. Estávamos entre seis, o número limite para a compra de ingressos por senha. O desespero era tamanho que no dia seguinte havia relatos de senhas que foram vendidas por MIL REAIS. Mil. Pagamos barato e dividimos por seis. Esperamos amanhecer. Me arrependi brutalmente de não levar um livro e um baralho de cartas. Mas o tempo passou rápido e logo o dia amanheceu. Na nossa frente, uma família de cambistas. Ligaram o rádio que logo chamou atenção pelos acordes sertanejos. Irritou toda a fila. Chega um homem meio mal encarado, meio bêbado, tentando de qualquer jeito bolinar uma das mulheres cambistas que estava na nossa frente. Uma das meninas que estava com a gente disse com propriedade: “ainda bem que sou sapatão”.

A Ju, que ouve Beatles desde criancinha, queria fazer uma surpresa para a mãe dela, e decidiu fazer um acordo com uma das cambistas que compraria apenas três ingressos para usar a cota restante dela. Pontualmente às oito horas o portão abriu. Levanta acampamento, fecha as cadeiras. Ouvimos o pessoal honesto da revenda que estava na nossa frente dizendo que venderia os ingresso por R$ 450 cada. Informação de antemão: este será o valor do ingresso de R$ 140 no dia. Na hora de ir para a bilheteria, que ficava no Beira Rio e não no Gigantinho, apenas quem tinha senha na mão poderia passar. A cambista passou e deixou a Ju na mão. A menina que compraria para nós passou também e não conseguiu pegar o dinheiro para a Ju comprar o dela. A Ju saiu gritando “eu só preciso comprar com ela!”. Ela não deixaria o cartão de crédito com a cambista e não sabíamos que apenas o portador da senha poderia ir até a bilheteria. Como que por milagre, uma senha caiu do céu e uma mulher disse pra ela: “tu precisas de senha? Tenho uma sobrando”. Assim a Ju foi pra fila. E tinha gente sem senha furando a fila. Gente que foi denunciada e quase linchada por quem passou a noite madrugando ali.


Pegamos nossas cadeiras de praia e sentamos, esperando pela saída dos nossos ingressos. Fomos até o posto tomar um cafezinho de maquininha e aparece uma piranha de short e meia-calça. Meu namorado se serve de café e vai até a mesinha para colocar o açúcar. A louca finge que vai olhar algo na prateleira mais baixa e fica exibindo o seu derrière para o meu respectivo. E ela estava acompanhada. De um membro da Cachorro Grande. Groupies nunca morrerão e enquanto eu tiver um namorado de cabelo comprido vou sofrer pelo resto da minha vida. Pelo menos ele ficou olhando para os lados, fingindo que não era com ele.


Mas enfim, voltamos e esperamos. Sai a Gabriela, a menina que ficou com a nossa senha, com todos os nossos ingressos na mão! Esperamos a Ju, que ganhou R$ 80 de comissão para cada ingresso que pediram para ela comprar, já que ela tinha uma senha só para ela e compraria apenas duas entradas. Sem contar os ingressos de uma guria que ficou sem e eu a orientei a entrar lá e pedir para uma menina loirinha chamada Julianna comprar para ela. E ela voltou agradecendo muito, e os caras que pediram pra Ju comprar também agradeceram muito, como se fosse o melhor dia da vida deles. O dia em que garantiram o seu lugar entre os 50 mil que vão assistir o Paul no dia 7 de novembro. E a Ju não contou pra mãe dela, é surpresa.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pretérito do presente

Se você afirmar com veemência que guarda seus rancores, você está se acorrentando a coisas que deveriam ser superadas. Você deveria poder dizer: isso são águas passadas. A maioria das pessoas comete erros, sabe? A maioria das pessoas também, como qualquer um, quer fazer o melhor, sempre. E se não o faz, foi por descuido e distração, muitas vezes. Duvido que seja por raiva, vingança, cobiça. Duvido mesmo. Se você aceita que as suas dores e mágoas andem junto de você pro resto da vida, você se sente pesado. A melhor maneira de deixar o passado ir embora é perdoar, é compreender, é ser flexível, é saber lidar com os contratempos da vida. Quem muito se aferra a um princípio, a um sentimento, a uma posição qualquer, corre o risco de ser uma pessoa amarga e orgulhosa, acima de tudo. Alguns podem ver isso como qualidade, eu vejo como autoproteção. O orgulho dá a falsa ilusão de que ninguém pode te ferir. Mas pode. E passa mais fácil se você aceita as desculpas: o fato é superado e não alimentado. Por que tem pessoas que teimam em cultivar sentimentos ruins? Muito tempo já passou e quanto mais anos ficarem para trás, maior vai ser a lástima que sinto ao ser protagonista de uma história assim.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Frigidez editorial

Vou reproduzir um texto aqui, indicado pela minha colega Natália Pianegonda. Mais que verdadeiro...

Duas ou três lições que aprendi com um mestre do Jornalismo que jamais se deixou contaminar pelo vírus da SFE (Síndrome da Frigidez Editorial)

Faz três anos que Joel Silveira, “o maior repórter brasileiro”, saiu de cena. Uma vez, tentei resumir, num texto de apresentação de um livro, as lições (fundamentais) que aprendi com ele sobre Jornalismo em vinte anos de convivência pessoal e profissional. Voilà:

Sou um projeto de ruína . Meu velocímetro profissional já registra quase quatro décadas de rodagem por redações. É um bocado. Quem mandou não estudar Medicina ? A hora de dizer “chega” vai se aproximando.

Todo jornalista deveria mudar radicalmente de atividade depois de dez anos de exercício profissional. Somente assim não correria o risco de se habituar ao papel de figurante do espetáculo patético encenado em redações por gente que se considera cem vezes mais importante do que realmente é.

Não existe cena tão risível quanto o desfile de vaidades desprovidas de qualquer fundamento. Em nenhuma outra profissão há um abismo tão gigantesco entre pretensão e realidade. Ninguém me contou ; eu vi, com estes olhos que um dia o crematório de Golders Green há de comer :
gente incapaz de pronunciar corretamente a palavra “gratuito”, gente que escreve exceção com dois “s”, gente que constrói frases como “para mim ver”, gente que acha que “sobrancelha” é “sombrancelha”, gente que jura que o substantivo óculos exige o artigo no singular, gente que comete pérolas como “fazem dez anos” – chorai, leitor, é esta a gente que, além de se julgar superior e competente, acha-se perfeitamente qualificada para descrever o que é que aconteceu ontem, o que acontece hoje, o que acontecerá amanhã, esta semana, este mês, este ano , no mundo . Quá, quá, quá.

Pior : é gente que, a sério, exige remuneração superior à de médicos, engenheiros, nutricionistas, agrônomos, veterinários, biólogos e garis. Pausa para risos incontroláveis da platéia. Quá, quá, quá. De novo : quá, quá, quá.

É como se um cirurgião perfeitamente incapaz de manusear o instrumento de trabalho – um bisturi – saísse da sala de operações arrotando grandeza depois de cometer barbeiragens inomináveis no corpo do paciente. Falo com conhecimento de causa sobre imposturas ocorridas em redações . Conheço a raça. Orgulhosamente, faço parte do canil. Sou aquele terceiro vira-lata à esquerda, na penúltima fila. ( crianças : não se assustem com o vazamento de bílis. Feitas as contas, o Jornalismo pode valer a pena, sim. É a melhor profissão do mundo – para quem não consegue exercer tarefas realmente úteis à Humanidade. Os jornalistas podem ser, devem ser e, em geral , são benfeitores da sociedade, com as exceções de praxe. Ponto. Parágrafo ).
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Há séculos, ao comentar o resultado de uma pesquisa em que os jornalistas só conseguiam superar os ladrões de galinha num ranking de estima pública, Paulo Francis dizia que os ladrões de galinha deveriam protestar contra a injustiça. Bingo.
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Sinal dos tempos : três vezes por dia, sou visitado pela tentação de dar por encerrado meu paupérrimo espetáculo, apagar a luz da espelunca , pregar na porta um aviso de “saiu. não volta” e realizar, num subúrbio qualquer de uma cidade cinzenta, o sonho dourado de cultivar pelo resto da vida um silêncio irrevogável e benfazejo. “Ainda hei”. Só falta encontrar uma fonte financiadora. (tragédia : ela jamais aparecerá).
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Quando olho pelo retrovisor, faço um esforço para contabilizar um ganho palpável, concreto, indesmentível , em meio ao rosário de perdas, equívocos, tropeços e decepções com que fui brindado pelo exercício do Jornalismo.

Vou tentar. Agora. Um, dois, três minutos de busca. Nada. O “yahoo” instalado no meu lóbulo central falha na tarefa. “Nenhum resultado encontrado” . Meus dois neurônios pedem tempo para vasculhar de novo as gavetas da memória. Como se fosse um treinador de basquete, peço tempo ao juiz. Quatro, cinco, seis minutos de busca. Nada. Eis que surge uma luz no fundo do poço. Ah, achei um ganho profissional !

Que é o seguinte : tenho tido a chance de fazer um belo curso intensivo de Jornalismo que já se arrasta por anos e anos. Começou em 1988 – quando conheci pessoalmente o “velho lobo da imprensa” Joel Silveira.

Desde então, sou um privilegiado freqüentador da escola de Jornalismo que, sem placa na porta, sem autorização do ministério, sem quadro-negro na parede e sem lista de chamada, funciona num apartamento do sexto andar de um prédio da rua Francisco Sá, em Copacabana – o refúgio de Joel.

Lá, envolto numa concha invisível, ele se protege do mundo exterior escondido atrás de barricadas feitas de aço e papel : estantes superpovoadas de livros. O telefone – e a TV – são as únicas pontes com o horror externo. Joel diz que tem uma “diversão predileta” : falar mal de uma comentarista televisiva toda vez que ela surge no vídeo. “Assim que ela aparece, eu digo : ah, mulher chata ! Pronto. Ganhei o dia“.

Há anos Joel deixou de andar na rua. Não “circula”. Não visita. Não faz questão de ser visitado : “Só se for para receber algum pagamento. Se aparecer alguém aqui em casa com um cheque, eu boto gravata e bermuda para receber o presente”.

Fez a opção preferencial pelo isolamento. Não corre o menor risco de ser atingido pelos perdigotos ou pelo bafo de terceiros. Não sente falta da contaminação externa. Faz bem. É um felizardo. Deveria soltar fogos pela janela todo dia de manhã, para comemorar o sucesso do isolamento. Nem a Albânia, nos áureos tempos de solidão internacional, conseguiu se proteger melhor do mundo exterior.

Aos recém-chegados ao Planeta Gutenberg, devo informar que Joel Silveira (sergipano da safra de 1918) ficou famoso, ainda nos anos quarenta, como repórter dono de um texto reluzente – uma víbora capaz de verter veneno em forma de tinta quando escrevia sobre, por exemplo, as grã-finas de São Paulo.

Assis Chateaubriand, o todo-poderoso dono de uma rede de jornais, logo notou o talento do repórter recém-chegado de Aracaju. Terminou despachando Joel para cobrir a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em terras da Itália. Assim, Joel entrou para a história da imprensa brasileira como correspondente de guerra, além de repórter que imprimia uma marca própria aos textos que produzia, aos borbotões, para jornais e revistas. Humberto Mauro se enganou . Jornalismo (e não o cinema ) é cachoeira.

Se um noviço perguntasse , a este aluno medíocre do Curso de Jornalismo da rua Francisco Sá , quais são as virtudes básicas do professor Joel , eu responderia na bucha. O mau jornalista – seja ele repórter, editor, dono de jornal ou seja lá o que for – é aquele que se deixa contaminar por uma doença estúpida, a Síndrome da Frigidez Editorial (SFE). Aos não iniciados no estudo das zoonoses das redações, diga-se que a SFE é uma praga que acomete jornalistas que, depois de anos e anos manuseando fatos extraordinários, passam a achar tudo “ordinário”, comum, banal, indigno de um mísero registro nas páginas dos jornais ou no quadrilátero brilhante dos aparelhos de TV. Transformam-se em derrubadores profissionais de matérias – especialistas em mandar para a lata de lixo as histórias apuradas por quem ainda não se contaminou com este vírus nocivíssimo . O horror, o horror, o horror. Sobre jornalistas que jogam notícia no lixo , tenho histórias que dariam para encher uma enciclopédia. Poderia exibir provas, se quisesse. Mas pouparei aqui a paciência do leitor.

Os jornalistas contaminados pelo vírus da SFE deveriam mudar de profissão com toda urgência. Mas não mudam. Passam o resto da vida destilando doses amazônicas de tédio sobre vítimas indefesas – em geral, repórteres que ainda não perderam o fogo. Aos oitenta e tantos anos, Joel Silveira é uma grande exceção a esta regra : nunca perdeu a chama interior que serve de combustível ao repórter.

Uma das grandes lições de Joel : um bom e inspirado repórter é perfeitamente capaz de escrever dez páginas sobre um encontro de minutos com uma figura histórica. É o que aconteceu com o repórter Joel Silveira ao descrever o “primeiro, único e desastrado” encontro que teve com o presidente Getúlio Vargas, no Palácio do Catete.

Joel conseguiu uma audiência com o homem , na ilusão de que sairia da sala com uma entrevista. A raposa Getúlio Vargas pensou que o repórter estava ali para pedir um emprego. Nem uma coisa nem outra : Joel saiu do Palácio sem o emprego – que não queria – e sem a entrevista – com que sonhara. Um repórter burocrático seria incapaz de escrever um parágrafo de cinco linhas sobre a entrevista frustrada. Afinal, Getúlio se limitou a trocar com ele um punhado de frases bobas. Mas Joel escreveu um longo e brilhante texto que, retocado para o livro “Tempo de Contar”, termina assim, com a narrativa da frustração que sentiu ao deixar o palácio do presidente :

- Voltei ao boteco, a vários deles, durante horas amargando o fel da derrota, alisando a cara onde o chicote presidencial havia acertado em cheio. Lá para a meia-noite, entrei no Danúbio Azul, um bar que não existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgidas, desde que existem mundo e manhãs de abril.

Pergunta-se : que jornal, que revista de hoje publicaria um texto escancaradamente autoral como este de Joel Silveira ? A resposta é um silêncio de rachar os tímpanos. O corvo de Edgar Alan Poe repete a cantilena fatal : “Never more, never more”. Nunca mais, crianças. Pobres de nós – leitores castigados com hectares e hectares e hectares de prosa que confunde narrativa jornalística com aridez vocabular e estilística.
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Joel segue desde o início da carreira o ensinamento que Albert Camus deixou em O Estrangeiro : lá pelas tantas, o personagem enjaulado numa cela diz que um homem que tivesse vivido um único dia teria recordações suficientes para cem anos. Os fiscais da saúde jornalística, se existissem, poderiam dormir tranqüilos quando fossem fazer um check –up em Joel : um grande repórter, como ele, é imune ao vírus da Síndrome da Frigidez Editorial (SFE).

Uma vez, numa entrevista , pedi a Joel que imaginasse uma cena : se fosse chefe de reportagem, que pautas ele gostaria de ver apuradas ? Sem titubear , ele desfiou a lista :

- Que tal o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante o governo militar ? Já se cavou um cova. Vamos cavar outras, então ! E a morte da figurinista Zuzu Angel num acidente que não entra na cabeça de ninguém ? E a explosão da bomba no Riocentro ? Qual foi a intenção verdadeira ? Era causar um massacre ? Ou dar um susto ? A morte de Juscelino ficou mal contada. A mim, não me convenceu. Eu não sou um juscelinista. Sou um leitor de jornal. E o atentado à OAB ? Quem mandou ? E a morte de Lamarca ? E a de Marighela – um sujeito astuto e conspirador, como ele era, ia sair idiotamente daquele jeito ? E aquele operário que morreu no DOI-CODI em São Paulo ? E a morte de Herzog – que não tinha motivo nenhum para se suicidar ? Isso tudo daria uma série fantástica.

Além de repórter que tira leite de pedra, Joel cultua o “prazer do texto”. O que ele escreve é uma mistura feliz de Jornalismo e Literatura. Por que não ? O brilho do texto sobre o desencontro com Getúlio Vargas é apenas um exemplo, numa montanha.

Eis outro : uma reportagem sobre a rebelião popular ocorrida no fim dos anos quarenta na Colômbia termina com a descrição de uma visita ao Cemitério Central de Bogotá. Lá, o repórter Joel vê o corpo de um menino morto no tumulto :

- Os olhos vazios fixavam o céu de chumbo e as mãos de unhas sujas e compridas pendiam sobre a laje dura – como os remos inertes de um pequeno barco. O barco fora surpreendido pela tempestade, havia perdido o leme, mas ficara boiando sobre as águas, sem afundar. Foi a impressão que me deu aquele menino : a impressão de que não havia morrido de todo. Era o que diziam os olhos muito abertos ; era o que igualmente parecia dizer o sorriso leve que mal se denunciava nos lábios finos e sem cor (…). Depois, um funcionário qualquer aproximou-se, olhou por alguns segundos o menino morto, procurou sem achar alguma coisa que ele deveria trazer nos bolsos. Tentou em seguida fechar com os dedos os olhos abertos, mas não conseguiu. Abertos e limpos, os olhos do menino morto pareciam maravilhados com o que somente eles viam, com o que queriam ver para sempre.

Compare-se este texto com a mesmice reinante hoje nos jornais e revistas. A saída é chorar “lágrimas de esguicho” no meio-fio mais próximo.

Como se tantas lições não fossem suficientes, o professor Joel dá, aos raríssimos freqüentadores da faculdade informal da rua Francisco Sá, aulas e aulas e aulas de bom-humor.

Tenho a honra de dizer que, nestes últimos anos, fui o único discípulo a freqüentar assiduamente o refúgio do dinossauro. Confirmei o que já suspeitava : somente os idiotas se levam a sério. Em todos estes anos de convivência, perdi a conta das cenas cômicas que testemunhei na escola do professor Joel.

Quando pingou o ponto final num livro que fizemos juntos – “Hitler/Stalin: O Pacto Maldito” -, Joel me ligou, eufórico, com a voz pastosa. Deu para notar que ele tinha irrigado as cordas vocais com doses escocesas de uísque. Fez-me um apelo em tons dramáticos : “Pelo amor de Deus, você sabe onde é que existe uma boa sarjeta aqui por perto ? Consegui terminar o texto ! Hoje quero beber até cair na sarjeta !”. Tempos depois, rompeu para sempre relações diplomáticas com as destilarias de uísque. Motivo oficial : já não tinha com quem conversar. Os amigos tinham morrido. “Todos !”. Passou a se auto-intitular “a maior solidão do Brasil”.
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Quando se internou no Hospital dos Servidores do Estado para uma cirurgia, passava horas sentado na cama observando os aviões que cruzavam o céu em direção ao Aeroporto Santos Dumont. Assim que cheguei para uma visita, Joel reclamou : “Quero ir embora. Não agüento mais ficar contando avião. Já contei dezoito hoje !”.

Dias depois, convocou-me para que me apresentasse imediatamente na rua Francisco Sá. Quando cheguei lá, Joel ,diante de uma garrafa de uísque pela metade, pegou o telefone para falar com um amigo que não via há anos. Do outro lado da linha, em Salvador, o amigo não deve ter entendido absolutamente nada. Joel se limitou a dizer a ele “ouça aí ! ouça aí !”. Em seguida, me fez ficar segurando o telefone junto ao alto-falante do velho toca-discos que amplificava a voz de Dorival Caymmi cantando “Peguei um Ita Norte”. O amigo teve de ouvir a música inteira por telefone. Quando a música acabou, Joel se despediu do ouvinte sem maiores explicações. “Passe bem !”.
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Quantas e quantas cenas o professor Silveira não me descreveu com um sorriso escancarado ? Uma das melhores : o dia em que o amigo Rubem Braga resistiu a um convite feito por Joel para que os dois fossem a um concerto de música clássica na Roma do pós-guerra. Joel insistiu : por que não ir ? Rubem Braga deu a explicação inesperada: “Não posso ir. Violino me dá tosse”. Joel insistiu, insistiu. Rubem Braga foi. O desastre anunciado se consumou . Assim que a violinista começou a tocar, o parceiro de Joel na noitada sinfônica teve um acesso de tosse incontrolável.
Aos freqüentadores do refúgio da Francisco Sá, Joel falará da oferta de emprego que recebeu de um assessor do presidente Jânio Quadros : ia ser nomeado para o conselho consultivo da Companhia Brasileira de Álcalis. Resposta de Joel à oferta :

- Aceito o convite ! Só quero tirar duas dúvidas. Primeira : quanto vou ganhar ? Segunda : o que é álcalis, pelo amor de Deus ? ”.

Lá pelas tantas, ele se recordará da cena surrealista protagonizada por ele e pelo gênio Nelson Rodrigues. Colegas de trabalho numa redação, sem nunca terem sido amigos íntimos, os dois cultivavam uma convivência meramente profissional . Um dia, Nelson Rodrigues estaciona diante da máquina de escrever que Joel Silveira batucava ferozmente. Não diz nada. Fica em silêncio observando a cena. Lá pelas tantas, o gênio da crônica exclama uma palavra :

- Patético !

E vai embora, sem dar maiores explicações.

Quando mostrou a Graciliano Ramos o texto de um conto que tinha escrito, Joel foi brincado com a mais radical e silenciosa resenha literária já cometida no Rio de Janeiro : Graciliano Ramos simplesmente fez picadinho do conto. Em silêncio , diante de um Joel boquiaberto , Graciliano Ramos desfez a folha em mil pedaços. As frases que o Joel iniciante considerava geniais viraram confete. O conto do Joel iniciante se perdeu para sempre.

Provocado, Joel será capaz de dar conselhos. Adora repetir o que ouviu de um gigante do jornalismo – Herbert Mathews, globe trotter do New York Times : o repórter precisa ter humildade e sorte.
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O Joel que se considera, além de “a maior solidão do Brasil”, o “último dinossauro” de nossa imprensa, é também o rei das implicâncias gratuitas. Como se fosse um franco atirador postado numa janela do sexto andar da Francisco Sá com um arsenal de petardos verbais na ponta da língua, ele adora fustigar inimigos gratuitos.

Não tolera seres “ridículos” como alpinistas, turistas e tocadores de cavaquinho obesos. Recusa-se a ouvir uma nota sequer emitida pelo violão ou pela voz de João Gilberto. Diz que, se um dia fosse nomeado Imperador de Sergipe, baixaria um decreto proibindo que João Gilberto cantasse em terras sergipanas. ”Por chatice”.
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As investidas do repórter Joel Silveira podem ser saboreadas em volumes como “Tempo de Contar” ou na coletânea lançada em 2004 pela Companhia das Letras – “A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista”, leitura que deveria ser obrigatória tanto para os noviços tanto para as múmias das redações .

O Joel deste “Diário do Último Dinossauro” não é o Joel das grandes reportagens: é o autor de pequenas tiradas, impropérios, ataques e louvações. Os textos que aqui aparecem alimentaram o “Diário de uma Víbora” – a coluna que Joel mantém na revista pernambucana “Continente Multicultural” desde julho de 2001 ( há vida editorial fora dos dois extremos da Via Dutra ! ). Os verbetes venenosos despachados para a Continente – e,por fim, reunidos em livro – foram coletados em várias fontes : anotações inéditas que Joel acumulou em pastas de plástico, fragmentos de livros como “Vinte Horas de Abril”, “A Guerrilha Noturna”, “O Presidente no Jardim” e “Você Nunca Será um Deles”.
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Um dia – eu vos prometo – pretendo reunir num livro os diálogos que tive com o mestre : longas sessões de entrevistas gravadas na escola informal da Francisco de Sá. São pelo menos seis , publicadas aos pedaços em jornais e revistas ou apresentadas , resumidamente, na TV. Lições que devem ser passadas adiante. “Vida aos outros legada” , como diria o Vate.
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Agora, crianças, favor fazer silêncio na sala : a maior solidão do Brasil pede a palavra. Do alto do refúgio onde se protege de nós todos , atrás de barricadas de papel e aço no sexto andar de um prédio da Francisco Sá , o “último dinossauro” vai disparar seus petardos venenosos neste “Diário”.
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Que ninguém se assuste : não existe guerra tão divertida. Joel não se leva a sério. Não nos leva. Não leva nada. Melhor assim.

Por Geneton Moraes Neto

domingo, 1 de agosto de 2010

Como um cão


Às vezes me sinto leal como um. Dependente, desprovido de vontade própria, que ouve um comando e espera até ouvir o próximo para descansar. Acho que sou muito boa em seguir ordens, talvez, quando sou ligada emocionalmente ao meu dono. Senão, sou o mais desobediente possível, se me manda ir pra esquerda, vou pra direita só de birra. Mas com o meu dono sou dócil, sou passiva, sou feita para a companhia. Me sinto triste quando ele briga comigo, abano o rabo se recebo um elogio; não sei fazer comida, espero ele me alimentar. Queria ser um leão, um pássaro colorido, uma gaivota até... Um gato, distante e impassível. Mas eu sou um cão. Fico feliz em agradar, em satisfazer quem me cuida. Sou simples. Não sei fazer rodeios, não sei ser elegante nem arrogante, nem indiferente. Meus olhos imploram por carinho, por atenção, por amor. Qualquer coisa me magoa, e qualquer sorriso me eleva às nuvens de novo. Sou fácil de machucar, fácil de alegrar.


Infelizmente, sou manipulável como um cachorrinho.


domingo, 25 de julho de 2010

Dica

Assisti a um filme hoje. Eu bem gosto de drama. "Draminha", como diz o Dudu. Mas esse filme trata de um assunto pesado de forma leve. Muito bom.


"The Lovely Bones" - 2009
Direção: Peter Jackson


















Trailler.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Nem to - postagem temática

Algo acima de nós nos diz para sermos otimistas. O tempo todo. Se você está triste, faça alguma coisa a respeito. Se você está sem dinheiro, faça alguma coisa a respeito. Se você está se sentindo sozinho, se você está um pouco gordo, faça alguma coisa a respeito. Se você está entediado, se está chateado com alguém, se o mundo está caindo em cima da sua cabeça, erga-a, e pelo amor de Deus, faça alguma coisa a respeito.


A mídia, os livros de auto-ajuda dizem, a cultura norte-americana do “never give up” diz também. E se eu não quiser fazer alguma coisa a respeito?


Se eu quiser simplesmente chutar o balde e deixar as coisas caminharem como devem? Deixar a ferida doer, as lágrimas caírem, extravasar a raiva, amaldiçoar Deus e o mundo sem me importar com as conseqüências? A pior coisa de ter um problema é que ninguém tem nada a ver com isso. É verdade. Não use os ouvidos dos outros como penico, porque é isso que você vai escutar: faça alguma coisa a respeito.


As músicas mais bonitas não vêm de uma fossa? As soluções mais criativas não surgem de tempos difíceis? A inspiração não vem quando tudo parece mesmo uma merda? Alguém interessante não surge justamente quando você está tonto e perdido? Às vezes eu acho que é por aí.


Ninguém tem que pular etapas, nem fingir que não dói, nem esboçar um sorriso quando tudo que se quer é enfiar a cabeça num buraco. Viver o fundo do poço, assumir o mau humor e admitir que não, não está tudo bem, também é uma forma de coragem.


Não quero saber de falso otimismo, nem de sorriso amarelo. Quero coisas mais reais.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Desencontros

Ela marcou de se encontrar com ele no final da aula. Ele disse que se atrasaria, porque era último dia, entrega de conceitos, e queria conversar com o professor. Ela ficou embaixo da árvore que eles sempre admiravam nos dias de sol, de como era florida e bonita, destoando tanto do cinza daquele lugar. Já tinha escurecido, ela tinha que voltar de ônibus naquele dia. Esperou quinze minutos, esperou vinte, esperou meia hora. Aconteceu que tomou coragem e foi embora. Na verdade, ela até que gostava de deixar as coisas na mão do destino, assim não precisava se responsabilizar pelas suas escolhas. Começou a descer as escadas. Se der número de degraus pares, eu vou, se der número de degraus ímpar, eu fico. 22. “Não era pra acontecer”. Um pouco chateada por ele se enrolar tanto, nem avisou, nem mandou mensagem, e foi embora. E se ele estivesse mesmo interessado, teria sido mais sucinto com o professor. E poderia também ter ido avisá-la também. Enfim.

No outro dia, na saída da aula, ele a esperou na parada. Quem sabe estava chateada pela demora dele. Ou talvez nem sequer apareceu. “Eu nunca sei o que esperar dessa guria”. Mas sei que posso esperar um sorriso se ela ver que eu estou aqui, na parada. “Ela caminha como quem está sempre com pressa. E de cabeça baixa ainda. Quem sabe eu fico mais pra cá pra ela me ver.” Passou um T1, dois T1, três, sem contar com os diretos. “É, ela ta puta da cara comigo”. Pegou o próximo ônibus e sentou na frente.

Ela estava lá atrás, e impossível confundir os cabelos negros e lisos dele. As mãos em cima da mochila. O moleton verde musgo, que ele dizia que era preto. “Homem não sabe nada de cor. E acha que vão chamar de bicha se ele é capaz de diferenciar azul marinho e azul. Será que ele não me viu ou fez que não me viu. Acho que não me viu.” Chegou perto da hora de descer, ele passou na roleta e foi direto pra porta. O ônibus tinha lotado. Ela olhou pra ver se os olhos dela encontravam nos dele, mas ele não viu. Num percurso de meia-hora, ela fantasiou a sua relação com ele, pesando prós e contras, acreditando que podia sim dar certo. Mas mais uma vez, ela deixou nas mãos do destino. “Ele não me viu, não era pra acontecer”.

No caminho, a imagem dela às vezes passava rápido pelo pensamento. Mas ele estava cheio de dúvidas. Apesar de ser bonita e agradável, ela era meio estranha. E ele tinha medo de nunca conseguir decifrar os seus olhos, de estar sempre na dúvida. Ela não era o tipo de pessoa que se mostrava na primeira semana, nem no primeiro mês. Ela era um livro a ser folheado devagar, com atenção. E então, era um risco. Que ele não estava a fim de correr.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O real e o imaginário da obra mais famosa de Isabel Allende

A Casa dos Espíritos (1982) é sem dúvida uma obra que marcou positivamente a literatura latinoamericana e a carreira da escritora e jornalista Isabel Allende.

Isabel nasceu no Chile e ambienta todas as suas histórias entre o fim do século XIX e início do século XX, contando um pouco da história do seu país de origem, das lutas políticas e sociais, ao mesmo tempo em que compartilha conosco a saga de famílias e gerações inteiras, de forma peculiar e fantástica.

A Casa dos Espíritos conta a história da família Trueba, aristocrata e de alta classe, até o Golpe Militar de 1973 com a ascensão da ditadura. Isabel é sobrinha de Salvador Allende, o primeiro presidente de um partido de esquerda a ser eleito democraticamente no país, em 1970, até morrer dentro do palácio presidencial durante a tomada do poder pelos militares, liderados pelo general Augusto Pinochet. A jornalista viveu de perto a história do país e sabe aliar dados históricos com romance e fantasia como poucos.

O casamento de Clara e Esteban une as famílias Del Valle e Trueba, dando início à saga das três gerações narradas no livro. Clara casa-se com o jovem Esteban, depois da morte de sua irmã Rosa, uma jovem de cabelos verdes, que parece viver em outro mundo que não o terreno. Esteban tenta a sorte trabalhando em minas de ouro e passou um bom tempo longe de casa, até retornar e receber a triste notícia da morte do seu grande amor. Clara havia crescido e se tornado uma bela moça, não tanto quanto Rosa, mas que faria Esteban feliz e garantiria o início de uma família.

Entretanto, Esteban se dá conta de que apesar de não ser tão bela, Clara é tão peculiar e excêntrica quanto a irmã. Ela conversa com espíritos, move móveis com o pensamento e lê o tarô, ficando conhecida depois de um tempo como “Clara, clarividente”. O casal vai morar na propriedade antiga da família Trueba, Las Tres Marias, e lá têm três filhos: Blanca, Jaime e Nicolas. No campo, Esteban Trueba disciplina os empregados e prospera como fazendeiro. Porém, é extremamente conservador e defende ao pé da letra o discurso direitista. Seus empregados o odeiam por ser um chefe autoritário e intolerante. Uma jovem da fazenda acaba tendo um filho de Trueba, sem o seu conhecimento, Pedro Terceiro, que no futuro será o amor da vida de Blanca (também sem o seu conhecimento).

O tempo passa e a família volta a viver na cidade com a gravidez de Blanca. Clara está cada vez mais longe do mundo dos vivos e Trueba, num acesso de raiva, quebra-lhe todos os dentes. A partir daí, a mulher lhe nega a palavra e vive em silêncio com ele até a morte. O velho Trueba envolve-se na política e concorre a senador. Clara morre, e a única pessoa a quem o velho patriarca reserva carinho e que lhe dá atenção é a neta, filha do filho bastardo: Alba. Seguindo a tradição, a menina envolve-se com um militante socialista da faculdade: Miguel. Ela o auxilia na luta armada contra a tomada do poder pelos militares.

Neste trecho, Isabel reproduz o que viveu o seu tio Salvador Allende durante o Golpe:

“O céu começou a toldar-se. Ouviram-se alguns disparos isolados e distantes. Naquele momento, o presidente estava falando com o chefe dos subelevados, que lhe ofereceu um avião militar para sair do país com toda a sua família. Ele, porém, não estava disposto a exilar-se em algum lugar longínquo, em que poderia passar o resto da sua vida, vegetando com outros governantes depostos, que tivessem abandonado às pressas suas pátrias.

- Equivocaram-se comigo, traidores. Aqui me pôs o povo, e daqui só sairei morto. – respondeu, sereno.”

O livro termina com o prosseguimento do regime militar e uma mudança da maneira de ver a vida de Esteban Trueba. Isabel conta a sua história através da vida da própria Alba e é tocante, essa mistura do real com o imaginário que só Isabel soube fazer com perfeição. Recomendo.

A Casa dos Espíritos (1982)
Tradução de Carlos Martins
Editora Bertrand Brasil
Edição 2009 – 448 páginas
Preço médio: R$ 59,00

Julianne Maia

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Texto redigido para a cadeira de Jornalismo Impresso I.
E de Dia dos Namorados, ganhei outro da Isabel, "Retrato em Sépia". Adooooooooooro.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A importância das cerimônias - Postagem Temática


Eu sempre quis me casar. Acho bonito.


Uns dizem, pra quê? Pra que selar o compromisso na frente das pessoas mais próximas, perante à sociedade, aos pais que sempre sonharam com o momento? Para suprir expectativas? Para dizer que você achou a tampa da sua panela e que nunca mais vai ter que conviver com a insegurança de passar as noites sozinho? Talvez seja assim para alguns casais. Talvez até um pense que o outro está fazendo por amor, mas na verdade está fazendo por insegurança, emocional ou financeira.


Para mim, não importa o tratamento que é dado para esta união. Há pessoas que precisam da cerimônia, do documento, da celebração, de uma festa memorável, como uma formatura que simboliza o fim de uma fase e início de outra, ou um nascimento que é comemorado com o batismo. As celebrações e conveniências sociais sempre existiram, e muitas pessoas dão importância para elas. Eu sou uma delas.


Não é que eu não posso morrer sem colocar uma aliança no dedo. Coisa que, aliás, meu namorado não gosta de usar. Namoramos há mais de dois anos e ele se esquiva da idéia de colocar uma aliancinha prata que represente o nosso compromisso.


Eu quero me ocupar daqui a algum tempo com o vestido, escolher a música, os convites, as flores, as cores... Tudo nos mínimos detalhes e guardar com carinho os registros depois. Pena que o meu namorado não compartilha da mesma ideia. Ele é do tipo que despreza cerimônias, que sente coceira no corpo usando terno, que não sabe o que dizer nestes momentos, que para ele são ultra-desconfortáveis.


É tudo uma questão de ponto de vista. De gosto, até.


Eu simpatizo com a ideia do casamento.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Efemeridade

Vou até o terraço fumar um cigarro, trago, jogo a fumaça de volta pra cima e a vejo subir, subir com o vento contra o céu escuro da noite que recém caiu e me emociono vendo ela desaparecer.

Isso é estar com TPM.

Fazendo associação com fumaça e os momentos efêmeros da vida, que dançam um pouco e deixam de existir em segundos.

...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Perigo

Onze e pouco da manhã, desci da lotação e estava indo pra casa. Como faço algumas vezes, continuei escutando música e andava com o celular na mão (burra). Avisto um rapaz de cerca de 16 anos, com uma expressão suspeita. Me apresso a enrolar os fones e guardar o celular na bolsa. Ele avança na minha direção e diz, passa o celular. E eu digo, não passo, o celular é meu. Ele disse, olha que eu to armado, mexendo no bolso. Eu vi que ele não estava armado e aparentava estar tão nervoso e apavorado quanto eu. Ele puxava o celular e eu apertava o aparelho nas mãos, não larguei. Os vizinhos viram, desceram a escada e eu gritei: ele quer me roubar. Ele saiu correndo.

Os vizinhos disseram que iam chamar a polícia, eu disse que não precisava. Segundo informações de fontes inseguras à tarde, o guri tomou uma coça da vizinhança. Espero que não seja o mesmo que me abordou.

Foi estupidez, eu sei. E se ele estivesse MESMO armado? Algo me dizia que ele não estava, talvez o medo dele. Lição aprendida, não ando mais dando sopa na rua, como costumo andar. Só espero que ele não more aqui perto e que tenha esquecido do meu rosto.

sábado, 22 de maio de 2010

Jogar para perder


Na última sexta-feira (21) acompanhei, como projeto de fotógrafa, uma operação da Polícia Civil em cojunto com o Ministério Público, representado pela Dra. Sônia Mensch, para apreender máquinas caça-níqueis. Também não acho crime jogar nas máquinas, mas para pessoas descontroladas, e tenho uma na família, o jogo nunca é saudável e nenhum dinheiro é o suficiente para apostar.

Porém, o que quero retaratar aqui é o trabalho da polícia e da promotora, e da imprensa (uma repórter da TV Record, uma da Band TV, um repórter de rádio, e uma repórter do SBT), que nos acompanhou para tentar participar de algum flagrante, em que os proprietários ainda estivessem na casa, com jogadores apostando.


As duas primeiras visitas não deram em nada, os donos já tinham ido embora, deixando apenas as "carcaças" das máquinas e levando consigo a ceduleira, onde fica depositado o dinheiro apostado.

Na última visita, uma loja de esquadrias que confeccionava imóveis de madeira, o policial foi forçado a derrubar a parede fina que escondia as salas de jogo. Um homem, argentino, foi encontrado assim que adentramos no estabelecimento, mas caçoou do policial.

P - Você é o proprietário?
A - Que proprietário, que nada...

E não quis informar como fazíamos para entrar. Eles quebraram tudo e cerca de 40 máquinas estavam no fundo do local. Duas velhinhas fugiram pelos fundos e deixaram cair dinheiro no caminho. E eis o público dessas casas de jogo: só têm idosas, aposentadas. Uma delas: "moça, por favor, não me fotografa, meu filho não pode saber que eu estou aqui". Ela não podia ser filmada, nem fotografada, claro.

na fachada

nos fundos


Eu contei pra ela que tinha uma pessoa família que jogava, mas era uma situação muito grave. Ela disse, "eu trago vinte reais e é o que aposto, mais nada. Eu sei que tem pessoas que colocam tudo fora, mas elas são assim em qualquer situação, não só no jogo". O pior é que eu concordo com ela.

Acredito de verdade que seja só um passatempo para algumas pessoas. Assim como as drogas são para outras. E não seja vício. Mas essas máquinas podem arruinar a vida de alguns poucos. Até o dinheiro que marca no monitor não é o que o caça-níquel e os bingos eletrônicos estão guardando. Aquele valor é fictício, quem deve pagar é o dono do local. E muitas vezes não pagam, quando o apostador ganha. E muitas vezes as pessoas têm as mãos atadas e não podem denunciar, porque existe a prática de tráfico de drogas dentro destes estabelecimentos. Existem criminosos de verdade e o poder de tirar a vida de alguém, se for necessário.

É uma situação bastante complexa. Não sei se tenho opinião formada quanto à legalidade destes jogos. Mas tenho certeza de que cada um dos proprietários que apenas assinaram um termo se comprometendo a ficar longe do jogo, ou que foram autuados, voltarão para esta prática, simplesmente porque é um meio de sustento. E talvez até porque a pena é muito branda.

terça-feira, 4 de maio de 2010

You're so cold - Postagem temática

Quando o conheci, pensei que fosse como os outros, só tímido. Pensei que não teria nada para dizer, talvez. Achei que nunca tivera a oportunidade de mostrar o quão carinhoso poderia ser. Cogitei que tivesse medo de ser rejeitado. Talvez alguém o magoara... E para sempre ele teria medo de abraçar, beijar, pegar nas mãos, dizer que gosta de forma espontânea. Pensei tudo isso, mas eu estava enganada.

Ele não sentia.

Seu olhos sempre distantes dos meus, suas mãos sempre ao lado do corpo sendo que eu estava a centímetros dele. Ele podia me sentir... Mas não se aproximava e não o fazia por carinho. Só por desejo. Não o fazia para corresponder ao que eu sentia.

Não era amor, era interesse.
Não era afeto, era sexo.
Não era íntimo, era estranho.
Não era apaixonado, era frio.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Eu e os shows internacionais

Resposta para uma pergunta atual.

Por que tantas bandas afudês pra caralho têm vindo até o cantinho sul do planeta, brindar-nos com suas performances sensacionais de uns tempos pra cá?

Bom, primeiro, eles não podem mais fazer dinheiro compondo novos CDs, e convenhamos, alguns deles nem têm mais disposição, depois de 30 anos de banda, para fazer isso. E arriscar também não é uma boa. A pirataria pode-se dizer que é o grande problema no business da música. Entretanto, todos os fãs prezam muito ainda os shows, as performances ao vivo, valorizam ver o cara frente a frente e colecionam ingressos de shows. Guns N’ Roses e Aerosmith em um só ano. Só pode ser piada.

Agora uma retrospectiva. Comecei minha jornada de shows internacionais em 2002, quando fui ver Red Hot Chili Peppers, na turnê By the way no Gigantinho. Meus pais e minha melhor amiga foram comigo. Eu desesperada para assistir o show na pista, com todos os marmanjos suados e mulambentos, mas tive que ficar na arquibancada, o que fez não fez do show uma experiência menos agradável. Muito emocionante, mesmo. (Foto do show de São Paulo, 2002, Folha Online).



O próximo, Lenny Kravitz no Olímpico. Acho que foi em 2004. Dessa vez, só eu e a minha amiga, que estava mais a fim de festa do que de show. Perdemos um ótimo lugar porque ela tinha um amigo que ia conseguir nos colocar na pista VIP. Quem disse que ele conseguiu (contratado para secar as cadeiras porque estava chovendo no dia). Perdemos o lugar e ficamos em um pior. O que mais gostei foi assistir à performance de uma baterista mulher, for the first time. E ela sentava a mão na batera. Legal MESMO. (Foto do show no Rio de Janeiro,2004).




Muito tempo depois, ano passado, 2008, a realização de um sonho. Dançar ao som ao vivo da diva master, Madonna, em Buenos Aires. Meu namorado já conhecia a cidade e queria voltar pra lá, e eu não neguei de jeito nenhum. Melhor conhecer a Argentina a São Paulo, além de ser mais barato. Foi uma peninha vê-lo entediado, ao lado de mulheres/ gays dançando enlouquecidos no River Plate lotado e balançando muito. Eu adorei. Pena que ficamos muito longe e na saída do show roubaram a minha câmera fotográfica. Estrutura ótima, um show cheio de efeitos, e claro que a diva não cantou ao vivo o tempo todo, devido às trocas de figurino e de cenário o tempo todo, além de ela dançar muito. Entendo. (Foto no Riverplate, 2008, arquivo de pessoas desconhecidas).



Dezembro do ano passado, show hardão. AC/ DC em carne e osso e cabelos brancos. Novamente em Buenos Aires, e dessa vez, na pista, em meio a metaleiros e argentinos muy locos, se é que me entendes. Fui de “rasterinha” e terminaram com meus pés, os coturnos de quem estava do meu lado. Amadorismo. Mas valeu a pena. (Foto da minha câmera, 2009).



16 de março, Guns N’ Roses, pra fuder o cu do palhaço. Assisti de pista, esperei em torno de três horas para assistir ao show, láááááá de trás, passei frio, mas também posso dizer que valeu a pena assistir ao titio Axl (e o DJ Ashba uooou). Lamentei não ter assistido de pista Premium, apenas. (Foto do show de Porto Alegre, Void).


E agora Aerosmith. Querem acabar comigo! Sim, eu sou tiete de show, sim, eu dou dinheiro para esses dinossauros já milionários, simplesmente porque assistir a um show de rock é uma das experiências mais divertidas e intensas pela qual eu posso passar. Dançar ao som de bandas que pra mim, não são nada menos que lendas, é algo a que me presto pagar. Enfim, que venha o titio Tyler!

For those about to rock, we salute you! \,,/

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Mi BsAs querido...

Saudades de um lugar que não mata de frio nem de calor, em que as ruas são cinzas de um lado e coloridas de outro, de um porto com luzes vivas, de cheiro de flor e de perfume nas ruas, cheiros de séculos atrás... Saudade dos cafés e das media lunas, do céu azul e cinzento, das praças, das pombas, do ritmo do tango na correspondente a nossa Andradas, a Florida... Das luzes penduradas entre os prédios, como uma rede sob as cabeças, das mulheres com os olhos maquiados e flor nos cabelos... Da imagem de um lugar mais antigo e mais sábio que o nosso, mais bonito aos olhos. Que vontade de voltar!

Na ordem: 1) Caminito 2) Puerto Madero 3) Caminito 4) Feira de Antiguidades de San Telmo 5) Restaurante no Puerto Madero 6) Eu e o meu Rexona 7) Café da manhã 8) Obeslico na Plaza de Mayo.











Sem palavras - postagem temática

Palavras.


Não gostei muito do tema desta postagem, genérico demais. Parece que estamos falando de metalinguagem, falar de palavras usando palavras. Mas como o Sintonizados é para nos desafiar, e não para escrever sobre o que gostamos, segue o meu text.


Por muito tempo fiz das palavras a minha arte, o meu modo de conseguir as coisas. Tinha a convicção de que poderia conseguir o que quisesse usando as minhas palavras, a minha retórica, a minha autoconfiança. Acho que esse tempo não existe mais, já sei aceitar as palavras dos outros e não vejo as minhas palavras como a pura verdade, como todos os lados de uma história.


Palavras já me salvaram, mas já me condenaram. Como escrevi no tema Silêncio (o que não deixa de ser o contraponto do atual editorial), sempre defendi a palavra e não o silêncio e me fudi muito com isso.


Agora quem me ensinou que amor e compreensão não precisam de palavras, quem merece esse post e a minha homenagem, imaginem, é quem nunca proferiu um fonema articulado sequer, alguém que com o olhar consegue tudo de mim, que com a expressão de uma lealdade verdadeira e um companheirismo que só vivendo pra ver, eu não encontraria em qualquer ser “pensante” e detentor do poder de proferir palavras.


Ele é tão leal que não aceitou o novo companheiro que chegou ao nosso lar. Esse não era o mesmo que foi embora e que fugiu, deixando todos nós de corações partidos. Com este ele não brinca, porque o amigo, o primeiro que o conquistou, foi embora.


Ele é o primeiro a me dar bom dia, é pra quem eu dou boa noite quando desligo as luzes, é ele quem me recebe com um brilho nos olhos quando chego em casa, ele que fica feliz sempre que me vê, ele que acorda comigo de madrugada para verificar algum barulho esquisito, ele que rouba as maçãs da minha mão, ele que fica deitado no tapete enquanto eu caminho na esteira, o meu fiel companheiro, no melhor sentido que essa palavra possa representar.


Sei que este post não tem nada a ver com Palavras, mas foi o jeito que encontrei para falar do meu amigo canino, que tem se mostrado um exemplo de amizade. E continuo dizendo, quem não gosta de bicho, tem desvio de caráter.


Bom fim de semana!